7 de setembro de 2016

O judô e o (falta de) espetáculo nos JJOO Rio 2016

Juro que me segurei para não escrever. Para terminar esta reflexão, queria primeiro assistir as lutas dos Jogos Paralímpicos. Contudo, a necessidade da escrita foi mais forte e com a certeza que os judocas paralímpicos darão o espetáculo que o público merece. 

Tenho lido, principalmente, nas redes sociais, acusações contra as apresentações dos atletas do judô nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Que teriam ficado aquém do esperado. Concordo em certo ponto, mas nada de surpreendente. Faz tempo que as regras tornaram o judô da FIJ – termo cunhado por um membro de um grupo máster de whatsapp – desinteressante e em muitos casos até sonolento. Depois destes JJOO do Rio, observei que os espectadores esperavam mais lutas vencidas por ippon e menos decisões por shido. Em seus comentários, advertiam que as lutas deveriam ser mais abertas, menos enrolação. Os judocas deveriam ter insistido mais nas projeções e menos na disputa por pegada. Deveriam parar de se jogar ao chão quando estavam com o kumikata inutilizável. Em suma, lutar judô, usando técnicas tradicionais e menos a do judô alternativo – comentaristas usaram em suas transmissões televisivas esse verbete - se expondo e se arriscando mais. Tudo isto seria para o bem do espetáculo e para a sobrevivência do judô. Concordando com muito e entendendo o outro lado, partirei para nas próximas linhas destrinchar sob o meu olhar. 

Não é de hoje que a Federação Internacional de Judô vem tentando tornar o judô mais atraente para o público que assiste pela televisão. Os esportes vêm se modernizando. A evolução, se assim pode ser dita, é um caminho natural para as modalidades esportivas, principalmente, as que estão no rol olímpico ou as que pretendem participar. O judô que estreou em 1964 nos Jogos Olímpicos de Tóquio também entrou nessa. Desde a sua estreia, as regras mudaram em muito. O número de categorias aumentou. O judogui diacrítico entrou em uso. As aplicações de penalidades foram alteradas. Existiam outras, além do shido e do hansoku-make, o chui e o keikoku. A menor pontuação koka foi extinta, entre outras coisas. O tempo de luta mudou e assim por diante. 

Em nome do retorno ao judô tradicional. A volta às origens japonesas. O uso de gola e manga. Em 2010, algumas restrições aconteceram em relação às técnicas conhecidas popularmente por catadas de perna. O kuchiki-taoshi, kibisu-gaeshi, morote-gari, kata-guruma, sukui-nage, obi-otoshi e kata-otoshi foram abolidos como ataques diretos, além do o te-guruma e do kata-guruma que poderiam ser feitos como contra ataque. A FIJ observou que os campeões treinavam apenas ataque às pernas, bem como as suas defesas, o que tornaria um judô desinteressante para quem assiste ou, como já dito acima, deturpando a sua essência. Esta proibição levantou alguns questionamentos. Competidores que se especializaram nestas técnicas deveriam se reinventar para continuarem competitivos. Outra: seria precipitada a ideia de não permitir o kata-guruma, uma vez que este está, inclusive, na terceira série do nage-no-kata. Portanto, uma heresia, uma contradição. Enfim, houve muita aceitação e muita discordância sobre este regramento. 

As modificações não pararam por aqui. A FIJ, em 2012, anunciou uma série de alterações nas regras da modalidade para 2013. As mudanças foram analisadas no Grand Slam de Paris, em fevereiro, e no Campeonato Mundial do Rio de Janeiro. Estas foram as em vigor nos Jogos Olímpicos do Rio. Para quem não sabe, foram retirados os árbitros laterais, deixando apenas o central e um do lado de fora, à frente de um monitor e uma conexão de rádio comunicador, para informar qualquer equívoco ou dúvida sobre pontuação ou penalidade. Foi diminuído o tempo de 5 minutos para 4 minutos nas lutas das mulheres e, em relação às punições, estas não contam mais pontos, apenas para efeito de desempate. Quando as lutas terminam empatadas foi instituído o ponto de ouro ou “golden score”. A prorrogação não tem limite de tempo. Vence quem marcar a primeira pontuação ou se o adversário receber advertência. 

Depois do exposto, entro no que de fato me instigou a escrever: o judô "feio" apresentado no Rio. Não é de hoje que o judô chegou a este nível de plasticidade. Se lembrarmos de que nos JJOO de Londres, após deixar o torneio, o campeão mundial e medalhista olímpico (Sidney e Pequim) Tiago Camilo disse - todo mundo está lutando com a regra e o judô acaba ficando feio. Eu sempre vou buscar o ippon, é o que me dá prazer -. Para mim, esta fala é muito emblemática. Em duas orações ele expressou o que de fato o esporte, dentro de uma área de lazer para uns e de trabalho profissional para outros, representa. Quando falo em lazer, penso que nenhum ou quase nenhum judoca olímpico tenha começado no esporte com a ideia de ser sua profissão. Com o tempo, foram sendo observadas valências que configurariam certa aptidão para competir em alto nível o que lhe proporcionaria viver disto, ou seja, iniciaram no tempo livre, em oposição às obrigações rotineiras, chegando ao alto-rendimento. 

Nos esportes, existem as figuras dos atores e dos espectadores. Dentro desta configuração, atores seriam os atletas, os que executam as tarefas em si, que se sustentam daquilo, por conseguinte, além das econômicas, há tensionamentos e outras implicações sociais e psicológicas. Estas articulações estariam na área das interrelações, onde uma cadeia de pessoas depende de seus resultados e o atleta sabe disto. Enquanto, os espectadores são as pessoas que vão em busca da excitação agradável, do hedonismo em assistir, quer seja in loco ou por televisionamento, um jogo interessante. 

A partir do pressuposto acima os interesses dos envolvidos em uma competição olímpica são diversos. Parece evidente que o atleta entra para o combate com a ideia de defender o seu sustento e da sua equipe. Ele busca a vitória para chegar ao pódio, o que lhe garantirá, em tese, melhores contratos. Melhores condições econômicas etc. Enquanto o público está atrás da diversão. Está procurando aquela excitação agradável, o frenesi e a catarse. Não que o judoca olímpico não sinta essas sensações, mas o escopo é diferente. 

Diante disto, considero que a tática vem sobressaindo à técnica. Os judocas lutam com o caderno de regras embaixo do braço. Sabem que forçar uma punição ao adversário é tão importante quanto fazer volume de entradas. Com equipes técnica altamente especializada, aparelhadas sobre todo um aporte tecnológico que permite examinar cada adversário, entendo a lógica interna do judô, um esporte de agarre de curta distância, a importância do kumikata salta aos olhos. Talvez, seja esta a parte técnica que mais tenha decidido as lutas. Quem ajusta a melhor pegada tem grande chance de fazer o adversário ser punido. O kumikata, em muitos casos, serve para causar desconforto no adversário e não visar à preparação da entrada técnica. Nos segundos finais, quando na frente por pontuação ou penalidade ao adversário, ficar fugindo é tática. Creio que o coro não seja uníssono quando se trata de vencer a qualquer custo. Recordo que, na segunda luta, nos JJOO Rio 2016, a brasileira Erika Miranda, vencia a chinesa Ma Yngnan por shido. Então, restando pouco mais de 20 segundos Erika sofre um wazari. Alguns comentaristas criticaram a sua postura. Disseram que ela não poderia ter se exposto quando tinha a luta praticamente vencida. É verdade, mas e o paradigma de vencer bonito?Para o lado do atleta é confusa essa relação: jogar feio e vencer ou fazer bonito para torcida e perder. Não que esta premissa seja absoluta, mas é o que está, salvo exceções, ocorrendo. O judô destes jogos olímpicos foi a antítese do belo. Foi uma competição extremamente estudada e defensiva. São os ossos do ofício.

De certo modo, plasticamente, não atingiu em parte o que espectador buscava. No entanto, o judô chamado de feio é a evolução da arte marcial judô na era moderna dos jogos olímpicos. Não há como pensar no retorno de um judô que outrora aconteceu. A cada tentativa de retomada, os estudos encontram uma forma de surpreender o adversário, utilizando técnicas de outras lutas ou formas alternativas de jogar o adversário ao solo. O judô está altamente pesquisado e jogar alguém ao chão no alto nível está muito difícil. Se acham fácil derrubar, é só tentar a sorte. Portanto, parafraseando Dadá Maravilha: "não existe gol feio, feio é não fazer gol".

Walter Boehl
Autor do blog

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