Sobre tudo o que aconteceu durante essa semana, chegamos a duas conclusões: houve um lado positivo e outro negativo.
De positivo, a notícia que o Brasil sediará uma etapa do Grand Slam. Ótimo, pois dará visibilidade ao país e oportunizará o acesso do público brasileiro ao melhor do Judô mundial. Ao mesmo tempo, há que se discutir a capacidade dos ‘organizadores’ brasileiros (Confederação Brasileira de Judô - CBJ). Quem esteve no Mundial 2007 sabe do que estamos falando.
Na ocasião, diretores da Federação Internacional de Judô (FIJ), reclamaram. Os jornalistas também criticaram as condições de trabalho: não havia pontos de conexão com a Internet e de força (tomadas) suficientes para todos utilizarem seus notebooks.
A falta de comida e lavatórios limpos judiou (muito) o público; aliás, muito aquém do esperado para um evento daquele porte. A ausência de standings para compra de material relativo à competição (camisetas, pôsteres, DVDs, fotos, bonés, etc.) também foi sentida. Amadorismo total da CBJ.
Mas esse foi o ponto positivo. Vamos ao negativo: a forma como tudo aconteceu. O que deveria ser uma festa, mais uma vez, foi transformado em uma novela cheia de mentiras e traição. Ninguém é idiota a ponto de engolir a versão de Wanderley; nem a de Vizer.
No início da semana, o presidente da União Pan-americana de Judô (UPJ), o dominicano Jaime Casanova, distribuiu carta informando que a tentativa de um golpe estava sendo orquestrada e que Vizer e Wandereley estariam pagando todas as despesas de viagem para que dirigentes das três Américas viessem ao Rio. Segundo ele, a CBJ pagaria pelas passagens e Vizer garantiria as estadias (no Copacabana Palace).
Vizer e Wanderley negaram; mesmo depois que a Folha de São Paulo noticiou ter em mãos documentos que comprovariam o envolvimento de Wanderley e de sua secretária Ingrid Câmara no envio dos bilhetes aéreos. Mas, mesmo depois disso, Wanderley continuou negando.
Na coletiva de ontem, quando todos esperavam ouvir alguma mudança na “versão oficial”, eles afastaram a possibilidade de golpe e focaram a entrevista no anúncio do Grand Slam no Brasil. Agora sabemos que mentiram.
Bom para Casanova que, com agilidade, conseguiu neutralizar os dois com a exposição da verdade na mídia.
E o norte-nordeste? Vai mal, obrigado.
Enquanto a CBJ segue bancando passagens para estrangeiros (lembram do Mundial?) refestelarem-se nas luxuosas poltronas do Copacabana Palace, assistimos, principalmente na região norte-nordeste do país, federações largadas à míngua. Sem receberem qualquer ajuda, muitas têm dificuldades para honrar gastos fixos como luz, água, folha de pagamento, impostos prediais, anuidades, etc.. Poucas têm receita para realizar mais de duas competições anuais.
Enquanto isso, na “corte”, o milionário rei europeu paga as despesas e manda o chefe das colônias formalizar os convites para uma festa no palácio. Isso não lembra nada?
A gente assiste esse tipo de coisa acontecer em países como a Índia: de um lado, uma população pobre num país totalmente desestruturado. Do outro, um governo que investe bilhões em um programa nuclear. Como habitantes de uma republiqueta, já sabemos disso. No leste europeu (Vizer é romeno), as diferenças sociais também são chocantes. De um lado, uma minoria controlando fortunas de origem questionável; do outro, uma população que não conta, sequer, com serviços básicos de infra-estrutura.
Mesmo sabendo que é mentira, suponhamos que a versão de Wanderley fosse verdadeira; aquela que “amigos se cotizaram para pagar as passagens e a CBJ não gastou nada”. Caberia a pergunta: “Por que é que, depois de sete anos de mandato, Wanderley não pediu a esses ‘amigos’ que se cotizassem para pagar as passagens das equipes juvenis, infantis e infanto-juvenis viajarem para as competições no exterior (os pais ainda pagam como na era Mamede)?”. Ou ainda: “Por que não usar a influência desses ‘amigos’ para fomentar a CBJ uma vez que, depois de sete anos, nenhum contrato de patrocínio foi assinado?”. Vamos mais longe: "Por que não incrementar os rendimentos dos atletas da seleção posto que há atletas envolvidos no processo de seleção olímpica que ganham R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês?".
Finalizando: para a realidade do norte-nordeste/centro-oeste, o que interessa o Grand Slam? Federações carentes de assistência material e técnica. Estados com potencial real de desenvolvimento totalmente largados, recebendo uma ou outra competição regional que o chefe das colônias aproveita para descansar e seduzir distribuindo presentes (como o rei faz com ele).
Tudo sem estragar a alegria no sul-maravilha, onde vive o tal chefe das colônias. Talvez ele se fundamente na frase “Deus é uma coisa mais profunda, nordestinamente paciente”, do músico e poeta cearense Belchior. Pensa que o norte-nordeste e o centro-oeste, como sempre, podem esperar. Só que ele se esqueceu de ler o resto da letra da música.
Esse filme todos nós já vimos: aliás, ainda somos protagonistas de um show de horror que começou em 1500 e perdura até hoje. Há quase cinqüenta anos ouvimos o governo, em altos brados, anunciar aos quatro ventos que “o Brasil é o país do futuro”. Pergunta: “Quando vai chegar esse futuro?”.
Por falar em música e que “o Brasil é o país do futuro”, certo estava o Renato Russo (líder da banda Legião Urbana) quando escreveu:
“Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação...
... No Amazonas, no Araguaia
Na baixada fluminense
Mato Grosso, Minas Gerais
E no Nordeste tudo em paz... | ..Manchando os papéis e documentos fiéis
Ao descanso do patrão...
...Terceiro mundo, se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão...”. |
Como ele, perguntamos: “Que país é esse?”. Resta esperar e saber como reagirão os dirigentes estaduais: principalmente os norte-nordestinos. Se vão comemorar com tapinhas nas costas de Wanderley e comemorar o Grand Slam (que eles não vão assistir) ou se vão tomar alguma providência para acabar com o descaso. A turma do norte-nordeste deve lembrar que representa praticamente metade do colégio eleitoral; portanto, têm muito poder. Mesmo que ainda não saibam disso.
Carlos AMC Cunha
Coord. JUDOBRASIL
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